CLAUDE LÉVI-STRAUS

04/09/2012 19:31

Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas em 1908. As longas peripécias que o levaram ao estudo da antropologia estão narradas em seu livro Tristes trópicos (escrito em 1955).

Depois de obter a láurea em filosofia e de ensinar por dois anos em liceus de província, deixou a França em 1935 para ocupar uma cadeira de sociologia na Universidade de São Paulo. Chegando ao Brasil, entrou logo em contato com as populações indígenas do interior e participou de várias expedições científicas ao Mato Grosso e à Amazônia meridional. Retornando à França em 1939, foi chamado às armas. Logo depois do armistício transferiu-se para os Estados Unidos e lecionou em Nova Iorque, onde publicou seus primeiros trabalhos, tornando-se mais tarde adido cultural da Embaixada francesa. Demitiu-se deste cargo em 1947 para dedicar-se inteiramente às suas pesquisas científicas, primeiro no Musée de l’Homme, depois na Ecole des Hautes Ëtudes de Paris. Em 1949 escreveu As estruturas elementares de parentesco, obra na qual “pela primeira vez alguém toma a sério o caráter estrutural dos fenô­menos sociais, tirando deles imperturbavelmente todas as conseqüências” (Pouillon). Desde 1959 é titular da cadeira de antropologia social no Collège de France.

As suas obras principais, além das já citadas, são: Antropologia estrutural; O pensamento selvagem (1962), O cru e o cozido (1964); A origem das maneiras à mesa.

O estruturalismo de Lévi-Strauss se funda, como dissemos, nas premissas lingüísticas de de Saussure, para o qual a língua não é formada de vocábulos, mas de estruturas fonéticas; estas é que tornam possíveis as palavras e os significados. Esta prioridade do estrutural sobre o conteúdo significativo não é, segundo Lévi-Strauss, uma propriedade exclusiva da língua, mas é comum a todas as manifestações culturais: religião, arte, filosofia, ciência, mito, que são manifestações diferentes de determinadas estruturas elementares do espírito.

Lévi-Strauss chegou a estas conclusões estudando as culturas primitivas. Elas lhe revelaram que todos os fenômenos culturais, que, a seu juízo, têm origem no inconsciente, elevam-se, na linguagem, ao nível de pensamento consciente. A lingüística não é, portanto, apenas um exemplo de como se pode passar do estudo dos elementos para a elaboração de um sistema; ela pode também fornecer uma chave ao sistema das categorias lógicas e dos valores morais daqueles que usam uma linguagem particular e que trazem à luz um ou outro elemento do profundo e secreto trabalho do espírito humano. Em outras palavras, já que a linguagem é o principal elemento da vida cultural, é lógico esperar-se que outras formas culturais revelem uma estrutura semelhante à da linguagem e que tal estrutura reflita a estrutura primária do espírito humano.

O emprego do método estrutural por parte da antropologia cultu­ral confere-lhe caráter rigorosamente científico: à semelhança de todas as outras ciências experimentais, a sua função consiste em isolar certas propriedades numa dada série de fenômenos e em tentar estabelecer relações definidas entre elas.

Isto implica que a cultura pode ser tratada da mesma forma objetiva que a natureza e que, por isso, não se deve estabelecer uma diferença essencial entre cultura e natureza.

Foi num estudo dos sistemas de parentesco entre os povos primitivos que Lévi-Strauss empregou pela primeira vez este método, chegando aos seguintes resultados: “No estudo das relações de parentesco (e talvez também no estudo de outros problemas), o sociólogo se encontra numa situação formalmente semelhante à do lingüista fonólogo: como os fonemas, também os termos de parentesco são elementos de significado; também eles adquirem tal significado apenas com a condição de se integrarem em sistemas: os ‘sistemas de parentesco’, como os ‘sis­temas fonológicos’, são elaborados pelo intelecto no estádio de pensamento incônscio; finalmente, a coincidência, em regiões distantes umas das outras e em sociedades profundamente diferentes, de formas de parentesco, de regras de matrimônio, de comportamentos igualmente prescritos entre certos tipos de parentes etc., induz a crer que, em ambos os casos, os fenômenos observáveis resultam do jogo de leis gerais, mas ocultas: em outra ordem de realidades, os fenômenos de parentesco são do mesmo tipo que os fenômenos lingüísticos”.

Foi, portanto, estudando os sistemas de parentesco que Lévi-Strauss descobriu a existência de analogias entre eles e os sistemas fonológicos, no sentido de que ambos se fundam em operações inconscientes da mente e se baseiam em pares de opostos (como pai e filho). Ele acre­ditou também que podia interpretar o sistema de parentesco como um meio de comunicação comparável à linguagem. Entre os povos primitivos as possibilidades de matrimônio entre consangüíneos sofrem restrições que têm a finalidade de assegurar a circulação das mulheres dentro do grupo, do mesmo modo que as regras da linguagem asseguram, a comunicação da mensagem dentro do grupo. O intricado código que regula a troca das mulheres no matrimônio aparece como um exemplo de substituição de um sistema de parentesco de sangue, isto é, de origem biológica, por um sistema de alianças. A proibição do incesto vale como uma regra positiva para reforçar o dever do dar: la règle du don (“a regra do dom”).

Os bons resultados conseguidos no estudo dos sistemas de parentesco encorajaram Lévi-Strauss a aplicar este método em larga escala a toda manifestação cultural, de modo a elaborar umaantropologia estrutural completa, tendo por objetivo “conseguir, além da imagem cons­ciente e sempre diferente que os homens se formam do seu devir, um inventário das possibilidades incônscias, cujo número não é ilimitado”.

Para Lévi-Strauss, a humanidade no seu todo é como uma realidade em contínuo devir, no sentido aristotélico; para Aristóteles, o devir é possível porque há um substrato que permanece inalterado. O escopo preciso da antropologia estrutural é, pois, trazer à luz o substrato espiritual que torna possível o devir humano: “Mostrando instituições que se transformam, ela permite que se perceba a estrutura subjacente a formulações múltiplas e permanentes através de uma sucessão de eventos”.

A estrutura subjacente exerce, segundo Lévi-Strauss, uma atividade incônscia, atividade esta que “consiste em impor formas a um conteúdo, formas que são fundamentalmente as mesmas para todos os indivíduos, antigos e modernos, primitivos e civilizados”. Conseqüente­mente "é necessário e suficiente atingir a estrutura incônscia subjacente a qualquer instituição ou a qualquer uso para se obter um princípio de interpretação válido para outras instituições e para outros usos, contanto que se faça a análise avançar bastante”.

Segundo Lévi-Strauss as sociedades não criam nada no sentido próprio e verdadeiro, mas simplesmente escolhem certas combinações dentro de um repertório ideal, que pode ser reconstituído; a possível combinação dos elementos é determinada pelas leis formais do funcionamento incônscio da mente.

Com isso a antropologia estrutural levanta a questão fundamental da natureza da inteligência humana como ela se manifesta ao se exprimir. Que é este espírito incônscio, subjacente a todas as estruturas? Tal­vez o equivalente do logos dos estóicos, do intelecto agente de Averróis, do eu puro de Fichte, do espírito absoluto de Hegel? A impostação científica da especulação de Lévi-Strauss parece excluir estas e outras interpretações de ordem metafísica. De resto, ele mesmo diz explicita­mente: “Devemos considerar o espírito exatamente como uma coisa entre as coisas”.

De todo o conjunto parece que ele entende por espírito incônscio a mente coletiva da sociedade, mente esta que evolui e se transforma com a mesma sociedade. Efetuando o encontro entre infra-estruturas e práticas, ela se torna responsável pela formação das estruturas sociais: “Sem pôr em causa o incontestável primado das infra-estruturas, cremos que entre práxis e práticas se insere sempre um intermediário, isto é, o esquema conceitual, por obra do qual uma matéria e uma forma, des­tituídas de existência independente, se realizam como estruturas; em outras palavras, como seres ao mesmo tempo empíricos e inteligíveis. O que desejamos é justamente dar a nossa contribuição àquela teoria das superestruturas, apenas esboçada por Marx, que reserva à história, auxiliada pela demografia, pela tecnologia, pela geografia histórica e pela etnografia, o encargo de desenvolver as infra-estruturas propriamente ditas, teoria que, de modo específico, só pode ser nossa, já que a etnologia é antes de tudo psicologia”.

O resultado mais importante desta interpretação das estruturas sociais, consideradas como causadas e reguladas por leis impessoais e incônscias da coletividade, é que não só os aspectos conscientes da vida humana se devem explicar pelos inconscientes, mas também que a liberdade é um produto do determinismo. Em vez de os homens pensarem os seus mitos, deveríamos admitir que os mitos pensam a si mesmos nos homens, os quais não tomam conhecimento deste fato. Os mitos são a linguagem da sociedade, não das pessoas como indivíduos. O sentido do pensamento-linguagem é, pois, que o objeto não éconstituído pelo sujeito ou pelos sujeitos, mas que os sujeitos são constituídos por uma espécie de interiorização, da parte da sociedade, da mente objetiva; ou que não são os homens que têm uma estrutura, mas que é a estrutura que os tem.