EDMUND HUSSERL

04/09/2012 19:20

Edmund Husserl nasceu em Prossnitz, na Alemanha, aos 8 de abril de 1859. Discípulo de Brentano, recebeu dele uma influência decisiva no tocante à doutrina da intencionalidade dos atos humanos. Foi professor de filosofia na Universidade de Gotinga e, mais tarde, na de Fri­burgo, em Brisgau, até 1929. Faleceu aos 26 de abril de 1938.

Suas obras principais são: Pesquisas lógicas, Idéias sobre uma fenomenologia pura, Lógica formal e transcendental, Meditações cartesianas, Experiência e juízo.

A contribuição mais importante de Husserl consiste na elaboração rigorosa e sistemática do método fenomenológico.

Com o termo “fenomenologia” ele não quer referir-se nem ao estudo do fenômeno entendido como síntese a priori, da qual fala Kant, nem ao itinerário da consciência natural para o saber absoluto, do qual fala Hegel, mas ao estudo “daquilo que se manifesta” (tà phainómenon, em grego). A fenomenologia quer estudar o objeto como ele se manifesta na sua rigorosa realidade, absolutamente pura, livre de qualquer mistura.

O método fenomenológico consta de duas fases principais, negativa e positiva. A fase negativa, chamada por Husserl epoché ou “reduçao fenomenológica”, e aquela na qual o objeto (o fenômeno) é isolado de tudo o que não lhe é próprio a fim de poder revelar-se em sua pureza.

O processo da epoché parte do pressuposto de que para se conhecer a verdadeira natureza do fenômeno e necessário aproximar-se dele com a consciência pura, abstendo-se de pensar dele qualquer coisa que possa ter sido dita pela história, pela ciência, pela filosofia, pela literatura, pela religião e até mesmo pela consciência natural (isto é, pelo bom senso).

Notemos que a epoché husserliana não tem nada a ver com a dúvida cartesiana. A epoché não é um pôr em dúvida, mas um não fazer uso dos conhecimentos anteriores, a fim de poder começar do princípio. Neste sentido, a epoché é uma atitude que todos os filósofos devem ter. De fato, a especulação filosófica é, pela sua natureza, uma reação ao óbvio habitual: é a suspensão de todos os juízos adquiridos sobre o mundo real ou ideal, sobre as coisas ou as idéias, sobre as instituições ou os sentimentos ou os comportamentos humanos; é um renunciar aos juízos preconcebidos, às palavras gastas, aos hábitos mentais adquiridos, para que, livres destas incrustrações, as coisas possam se manifestar como são, “em carne e osso”, como diz Husserl.

A fase positiva é aquela na qual o olhar da inteligência se dirige para a própria coisa (zu der Sache selbst), penetra-a e faz com que ela se manifeste em toda a sua realidade.

Mas, quais foram as razões que induziram Husserl a usar, na sua pesquisa, o método fenomenológico e não outros métodos que remontam a filósofos ilustres como Aristóteles, Descartes, Spinoza, Leibniz, Hegel e outros? As razões principais são duas.

A primeira é o desejo de libertar a doutrina do conhecimento do psicologismo, isto é, do empirismo inglês e do empiriocriticismo alemão, os quais tinham a pretensão de determinar o valor do conhecimento, estudando a sua origem na esfera das sensações. Aplicando a fenomenologia ao conteúdo do conhecimento, Husserl descobre que a pretensão de reduzir todo o conhecimento à experiência sensível é totalmente absurda. Não podem de fato, provir da experiência sensitiva os primeiros princípios da matemática e da geometria. Eles são conhecidos segura­mente por intuição, não porém, pela intuição dos sentidos.

A segunda razão que levou Husserl a usar o método fenomenológico foi o desejo de pesquisar um novo fundamento para a ciência, um fundamento que não tivesse nada a ver com o de Aristóteles nem com o de Descartes: o primeiro pusera como fundamento do conhecimento as dez categorias; o segundo, a clareza e a distinção. Segundo Husserl, o fundamento aristotélico não tem firmeza porque as categorias são estabelecidas sem exame crítico. Ë frágil também o fundamento cartesiano porque a evidência (a clareza e a distinção) da qual fala Descartes é a evidência ingênua da epistemologia tradicional.

Na fenomenologia — que não estabelece como fundamento da pesquisa filosófica nada de gratuito, nada de arbitrário, mas simplesmente a experiência como ela se manifesta — Husserl julga ter encontrado um método que supera os pressupostos naturalistas dos métodos de Aristóteles e Descartes, um método capaz, por isso, de oferecer à ciência um fundamento sólido.

Aplicando este método ao estudo do conhecimento, Husserl conseguiu, como resultado significativo, refutar a doutrina gnosiológica imanentista do empirismo, do empiriocriticismo e do cartesianismo e mostrou que o conhecimento tem caráter essencialmente intencional.

Ele distingue no conhecimento três elementos principais: a nóesis (“forma”), a hy1e (“matéria”) e o nóema (“conceito”). A nóesis é o momento subjetivo do conhecimento, a luz intelectual que dá sentido ao objeto conhecido, que o determina no seu “ser assim” (so sem). A hy1e corresponde aos dados sensíveis que não são significativos por si mesmos, mas só depois de revestidos da luz da nóesis. O nóema é o pólo objetivo do conhecimento, o significado ideal da coisa; este significado ideal é distinto do objeto físico, porque este pode também não existir (p. ex., no caso das essências, dos enunciados judicativos etc.), e pode haver diversos nóema (Napoleão, p. ex., pode ser designado como o vencedor de Austerlitz ou como o vencido de Waterloo).

Segundo Husserl, o objeto da filosofia é o estudo do ser que tomado em si mesmo, fazendo-se abstração de qualquer interpretação idealista ou realista, tem significado (nóema). A fenomenologia não toma posição em relação à realidade transcendental como tal. Ela pode existir, mas Husserl é de opinião que ela não pode ser tomada em consideração pela filosofia, porque o objeto da filosofia é o ser que tem um sentido, isto é, o ser pelo conhecimento.

A fenomenologia husserliana do conhecimento se divide em dois momentos, chamados respectivamente redução eidética e redução transcendental. A distinção entre os dois momentos se deve à função diversa que a epoché exerce neles. Na redução eidética, a epoché diz respeito à suspensão do juízo sobre a existência do objeto real, a fim de examinar apenas as representações. Na redução transcendental, aepoché concerne à suspensão do juízo sobre qualquer conteúdo do conheci­mento, para concentrar toda a atenção na consciência pura.

No momento da redução eidética, a fenomenologia é aplicada à aná­lise das representações vistas como puras representações, prescindindo-se da existência tanto do sujeito cognoscente como do objeto conhecido. Estudam-se, por exemplo, as representações da mesa consideradas em si mesmas, abstraindo-se da presença real de uma mesa e dos processos psicológicos que produziram tais representações. Em outras palavras, a redução eidética consiste em se porem entre parênteses (epoché) tanto os aspectos psicológicos quanto a matéria do conhecimento, para se analisarem somente as representações enquanto representações.

No momento da redução transcendental, a fenomenologia é aplicada ao estudo do conhecimento, esvaziando-se este de qualquer conteúdo, de qualquer objeto conhecido ou desejado. Não se trata mais do exame daquilo que sinto, conheço, vejo ou quero, mas do eu que conhece, sente, quer etc.

Desta análise decorre que o eu, enquanto consciência pura, transcendental, se manifesta em todos os seus atos, cognitivos, apetitivos, volitivos etc.), como intencionalidade, como tendência para um objeto. A intencionalidade é precisamente a propriedade do conhecimento e de todas as suas manifestações de tender para um objeto.

Nas últimas obras de Husserl a intencionalidade se torna o absoluto, a realidade suprema, da qual a consciência e as coisas representam respectivamente o pólo subjetivo e o pólo objetivo. Vários estudiosos de Husserl viram aqui um argumento para o acusarem de idealista. Mas, como já observamos, para Husserl o eu é, sim, a fonte e a origem constitutiva do ser que tem sentido, enquanto dá sentido ao mundo; mas a sua “ação” (Leistung) não tem um sentido criativo como no idealismo clássico de Hegel.

Outra confirmação desta interpretação vem da concepção husserliana de sujeito, que não é algo preexistente, que se ligue ao objeto num segundo tempo. A relação do sujeito para o objeto constitui o fenômeno verdadeiramente primeiro; é nele que sujeito e objeto se encontram.

Com a elaboração do método fenomenológico, Husserl ofereceu uma contribuição decisiva para o desenvolvimento do existencialismo, fornecendo-lhe um método de pesquisa que correspondia perfeitamente à sua exigência de fazer uma análise minuciosa da experiência humana em todos os seus múltiplos aspectos.